A equipe técnica da Secretaria de Estado de Meio Ambiente da (Sema) realizou a soltura assistida de uma anta macho filhote resgatada em agosto do ano passado de uma fazenda localizada no município de Santa Rita do Trivelato (344 km ao norte de Cuiabá). O animal tem nove meses de vida e foi solto na última quarta-feira (30.03) em uma área de 5mil m², situada a cerca de 50 km do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, perto do Rio da Casca.
Após a soltura, a anta, que pertence a espécie brasileira Tapirus terrestris, vai ser monitorada por dois a três meses pela equipe da Sema para ter sua aclimatação no habitat natural avaliada. De acordo com a coordenadora da Fauna e Recursos Pesqueiros da Sema, Danny Moraes, o filhote precisa se adaptar ao local e aprender de forma gradativa a conviver na natureza. Ela explica que esse acompanhamento será feito porque a soltura não pode ocorrer de maneira abrupta, pois sem um preparo a anta pode se tornar presa fácil para outros animais.
A anta foi recuperada sem nenhum ferimento pelo Batalhão de Polícia Militar de Proteção Ambiental (BPMPA) no dia 23 de agosto de 2015 e desde então vinha recebendo tratamento no Batalhão, onde funciona atualmente o centro de triagem de animais silvestres da Sema e BPMPA, em Várzea Grande. Danny informa que devido ao filhote não ter sido criado ao lado de outros animais de sua espécie ele não desenvolveu o mecanismo de caça e de defesa. “Por isso precisou de um tratamento diferenciado em que recebia frutas e legumes preparados pelos tratadores”.
O gerente do BPMPA, o biólogo e sargento da PM Joelson do Nascimento de Paula, lembra que o animal chegou totalmente domesticado, o que prejudicaria sua convivência na natureza. Para reverter essa situação, Joelson elaborou uma estratégia: ele colocava a comida da anta em lugares diferentes todos os dias para que ela aprendesse a procurar o próprio alimento. “O animal é muito dócil e apegado aos humanos, precisa ser reeducado. Com a soltura branda ele vai se acostumando aos poucos a viver sozinho como os outros animais silvestres sem interferência das pessoas”.
Conforme a Portaria nº 444, de 17 de dezembro de 2014, a anta integra a lista nacional de espécies ameaçadas de extinção, na categoria vulnerável. No total, constam nesse documento 2.113 espécies de plantas e 1.173 de animais, também nas categorias extintas da natureza e criticamente em perigo. Um estudo divulgado em maio do ano passado pela revista Science Advances analisou 74 espécies de herbívoros – acima de 100 quilos – de três regiões do mundo e chegou à conclusão que a maioria delas corre o risco de desaparecer. Atualmente 44 dessas espécies, como rinocerontes, zebras, gorilas, elefantes e antas (Tapirus terrestris), já são considerados em risco de extinção.
Sobre a área
O local onde a anta foi solta é uma fazenda de gado de 1.100 hectares adquirida pelo Santuário de Elefantes no Brasil que já abriga várias espécies nativas, inclusive a anta. O proprietário cedeu o espaço por meio de um parecer técnico de nº 99.760 assinado com a Sema no dia 24 de março deste ano. O local foi adaptado com cercas e duas piscinas para receber a anta, uma delas é de fibra para banho (interno), e a outra está em fase de construção (concreto) no lado de fora.
Jardineira da floresta
Existem cinco espécies de antas no mundo: a Tapirus pinchaque, encontrada nos Andes, a Tapirus bairdii, típica da América Central e da América do Sul, a Tapirus indicus que vive na Indonésia e no continente asiático e as brasileiras Tapirus terrestris e Tapirus kabomani, sendo que esta última foi descoberta recentemente.
As antas se alimentam de uma grande variedade de frutas, folhas e flores e exercem um papel muito importante para a preservação da vegetação, pois são disseminadoras das sementes dos frutos que foram ingeridos. Em razão dessa qualidade, elas recebem - ao lado dos elefantes - o título de jardineiras da floresta.
Segundo Joelson, um animal adulto come de 8 a 9 quilos de alimentos diariamente e ao consumir o fruto eles engolem a semente que será espalhada através das fezes do animal ao longo do trajeto que percorre. Um detalhe importante é que as antas andam enormes distâncias, cerca de 120 km diariamente. “A presença delas é fundamental na natureza. Elas ajudam a reconstruir o ecossistema de onde vivem”.
Conhecida como anta-brasileira, essa espécie é o maior herbívoro da América do Sul e pode ser encontrada em regiões da Mata Atlântica, Cerrado e na Amazônia. Nas florestas amazônicas as chances de preservação da existência da espécie são maiores, o que garante a cadeia alimentar e a segurança de outras espécies. Um exemplo são os roedores que teriam sua população crescendo sem controle se não fossem as antas competindo por sementes e frutos. As antas são presas de animais carnívoros, entre elas, a onça.
A anta é a última espécie representante de um grupo de mamíferos que já foi muito comum na América do Sul: os megamamíferos, onde constavam preguiça-gigante e tatu-gigante, extintos nos últimos 10 mil anos.
Balanço de animais soltos
De 1º de janeiro deste ano até 31 de março, cerca de 300 animais foram acolhidos pelo Centro de Triagem da Sema, dos quais 96 já foram soltos, restando neste momento 166 animais na unidade. Entre eles, estão macacos, várias espécies de aves (arara, falcão, gavião, etc), serpentes e felinos (jaguatirica). Em 2015, o espaço recebeu 729 animais, desses, 583 foram soltos.
Essa é a primeira soltura assistida realizada pela Sema, outras solturas abruptas já foram realizadas em propriedades particulares. Outros estados, como Mato Grosso do Sul, já utilizam o método. Para Danny, esse é apenas o início de um grande trabalho que a secretaria deseja implementar. “Temos muitos animais que não podem ser soltos diretamente e a soltura branda é uma excelente ferramenta para reintroduzi-los. Estamos estudando uma maneira de formatar essa metodologia por meio de parcerias que visam a sustentabilidade”.