Os integrantes do Conselho Estadual de Pesca (Cepesca) deliberaram pela criação de uma Câmara Técnica que definirá os critérios de um estudo que pode ampliar o período de defeso da piracema em Mato Grosso para seis meses.
O debate foi realizado na manhã desta quinta-feira (26.02), durante a primeira reunião do Conselho no ano.
Os vários segmentos integrantes do conselho e os especialistas das universidades locais que se prontificarem a participar serão responsáveis em definir os critérios de monitoramento que incluem: metodologia da pesquisa, qual das três bacias hidrográficas (Amazônica, do Paraguai e Tocantins) estará incluída ou se todas elas, período de monitoramento (um ou dois anos), periodicidade (15 dias ou mensal) e, principalmente, sobre a captação de recursos. Também ficou decido que o Estado vizinho, Mato Grosso do Sul, será convidado a participar dessas discussões, bem como o segmento das usinas hidrelétricas.
A secretária de Estado de Meio Ambiente (Sema), Ana Luiza Peterlini de Souza, falou sobre a experiência de liderar agendas importantes para o setor pesqueiro. Enquanto promotora de justiça, Peterlini notificou a Secretaria sobre a necessidade de criar um conselho específico para a pesca, instalado em 14 de julho do ano passado. Ela também solicitou estudos sobre a piracema. “Essa discussão envolve tamanha riqueza de recursos naturais, uma das maiores produções pesqueiras do país e um dos lugares com maior volume de água doce no mundo”.
O assessor especial do Ministério Público Estadual (MPE), Francisco de Arruda Machado, afirma que se não houver mudanças culturais na forma de a sociedade explorar seus recursos hídricos e pesqueiros poderá haver escassez nos próximos anos. “Claro que precisamos fazer estudos detalhados que embasem as mudanças, que podem inclusive ser diferentes para cada uma das bacias hidrográficas, mas quero deixar bem claro que o período de quatro meses é estritamente político”.
Francisco é especialista em peixes de água doce, mestre em Ecologia e doutor em Taxonomia, e o técnico responsável por subsidiar a Notificação Recomendatória (nº 0001/2015) referente à alteração do período de defeso da piracema. Ele diz que depois de 40 anos de estudos com peixes, dos quais, pelo menos 1,2 mil horas literalmente debaixo d’água (durante o Doutorado), ele conseguiu entender muito melhor a biologia evolutiva, os aspectos alimentares e os períodos de reprodução desses animais.
A questão social e econômica
Mais que preservação ambiental, o superintendente do Ministério da Pesca em Mato Grosso, Lindemberg Gomes Lima, pontuou que o estudo técnico terá de contemplar as questões sociais, econômicas e mesmo culturais. “Como os pescadores sobreviverão nesse período? Quem arcará com os custos a mais no caso da ampliação da proibição, o governo federal ou estadual? De que maneira a população reagirá a isso? E o setor turístico, sobreviverá? Qual o impacto na economia dos municípios?”. Na opinião dele, é totalmente inviável se falar em proibir sem haver ação conjunta com Mato Grosso do Sul, tampouco sem ter estrutura para fiscalizar.
Já o empresário do trade turístico de Porto Cercado, no Pantanal, Cairo Bernardino Costa, disse que está temeroso com as mudanças, pois possui cerca de 30 funcionários diretos e outros 3.000 indiretos, numa região em que se houver proibição da pesca a população sofrerá com o desemprego e outros problemas decorrentes da proximidade com a fronteira com a Bolívia. “Nós já perdemos muitos turistas para Mato Grosso do Sul, se houver a mudança mesmo não sei como vai ser, é preocupante”.
O presidente da colônia de pescadores Z1, Antônio José da Silva, da qual fazem parte 1.100 pescadores na capital, afirma que a sobrevivência no período atual de quatro meses, mesmo com o salário pago pelo governo federal, já é muito difícil. A renda dos pescadores cai drasticamente. “Penso que esperar pelo estudo é a melhor coisa agora”.
A mesma avaliação é feita por José Viana Neto, da colônia Z10, de Barra do Bugres, onde há 450 pescadores cadastros, com uma produção semanal de 125 kg de pescado, e Julita Duleba, da colônia Z16, de Sinop, região da Bacia Amazônica, que integra 370 trabalhadores da pesca. “Já observamos que a mudança na estação da chuva e da seca interfere na quantidade de peixe, quando o rio está baixo, fica mais difícil para subir rio acima. Mesmo com medo do futuro, apoiamos a decisão do conselho, porque nós queremos continuar tendo peixe nos rios, nossas famílias vivem disso há várias gerações”, disse José Viana.
Impacto ambiental
Na avaliação da coordenadora de Fauna e Recursos Pesqueiros da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Edilaine Theodoro, a diminuição dos recursos pesqueiros também está diretamente ligada aos impactos ambientais e não apenas à pesca. Estudos recentes mostram que quando se interfere na área de reprodução, desova e alimentação pode haver extinção de algumas espécies de peixes.
Em razão disso, ela frisou que os empresários do setor hidrelétrico precisam participar das discussões, já que tais empreendimentos contam com equipe técnica composta por biólogos que normalmente não fazem estudos mais aprofundados sobre o impacto da interferência das usinas nas suas áreas de atuação. “Não dá mais para fazer relatório apenas para cumprir protocolo, temos que trazer todos desse setor de usinas para participar”, disse.